Regulamentação da cannabis debatida no Maranhão

A Lei 12.183/2023, que regulamenta o uso da cannabis para fins medicinais no Maranhão, tem enfrentado barreiras quanto a sua aplicabilidade no estado. Uma destas questões é o preconceito e a classe política.

A legislação estadual representa um avanço significativo na luta pela democratização do acesso a tratamentos com cannabis no Maranhão. A ação tem como iniciativa os movimentos sociais, as associações, os pesquisadores, os médicos e os militantes.

Para falar sobre esse assunto, o Jornal Tambor de terça-feira (26/03) entrevistou o educador e pesquisador da cannabis, Ricardo Monteles.

Essa questão foi discutida no Seminário “Políticas Públicas e Aspectos Regulatórios da Cannabis no Maranhão”, realizado no dia 21 de março, em São Luís.

O evento discutiu a regulamentação sobre o uso da Cannabis para fins terapêuticos, medicinais, veterinários, científicos e industriais no estado. Foi promovido pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA) em parceria com a Acolhedeira (Associação Cultural de Pesquisa e Saúde com Cannabis).

Segundo o pesquisador, existem barreiras que impedem o acesso do uso da cannabis a mais pessoas. Dentre elas o preconceito, a classe política e as questões econômicas.

“As pessoas ainda têm muita dificuldade de encarar o tema. Apesar de toda essa construção ainda temos dificuldades no campo político. Os parlamentares não têm interesse sobre isso”, ressaltou o educador.

Ricardo falou que a cannabis medicinal está regulamentada no Brasil desde 2015. No entanto, como o cultivo da planta permanece proibido no país, os insumos têm de ser importados. Isto eleva o preço dos medicamentos.

Isso faz com que pessoas com pouca condições financeiras fiquem sem acesso aos remédios.

Para o educador, uma das saídas para baratear e democratizar o acesso à cannabis é a regulamentação. Além da atuação de associações de pacientes e o fornecimento dos medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

(Confira abaixo a edição do Jornal Tambor, com a entrevista completa de Ricardo Monteles)

 

Henrique de La Rocque: apenas um encontro e a admiração

Em sua fantástica obra literária “Éramos Felizes e Não Sabíamos”, o magistral Bernardo Coelho de Almeida abre uma de suas crônicas sob o título “O melhor homem do mundo”, fazendo uma verdadeira dissertação sobre o saudoso Henrique de La Rocque, uma das lendas da política do Maranhão, que foi deputado federal, senador e membro do Tribunal de Contas da União, além de ter exercido o cargo de presidente do extinto IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários), entre fevereiro de 1951 e novembro de 1953, dando seus primeiros passos na vida pública.

Tive um encontro inesquecível com essa liderança política, em 1980, exatamente no ano em que renunciou ao mandato de senador para assumir a vaga de conselheiro do Tribunal de Contas da União (TCU). Foi na redação do JORNAL DO TOCANTINS, em Imperatriz, numa sufocante manhã de quinta-feira. Na véspera, Mauro Bezerra liga para Imperatriz, me dizendo que iríamos receber a ilustre visita e que era para fazer cobertura de suas atividades naquela cidade e em João Lisboa. Ele estava se despedindo da vida parlamentar e tinha que agradecer aos leitores e às lideranças políticas.

Deleguei a Iran de Jesus dos Passos, atualmente professor da UEMA, a entrevista. Depois, o levei para conhecer as instalações do matutino. Fiquei impressionado com a simplicidade dele, por conta de sua elevada estatura política e moral.

Embora tenha apoiado a Ditadura iniciada com o Golpe Militar de 31 de março de 1964, sua posição após a instauração do regime ditatorial foi um tanto inconstante. Começando pelo fato que foi o primeiro a defender políticos perseguidos que estavam procurando asilo nas embaixadas. Segundo o Jornal do Brasil (em 16 de agosto de 1977), quando o processo de reabertura democrática era debatido, La Rocque manifestou apoio à abertura sob comando de Ernesto Geisel colocando que: “um homem forte como o presidente Geisel, desde que conte com o apoio dos políticos, poderá formular um projeto de reformas constitucional que concilie direitos individuais e segurança do Estado”.

Da mesma forma, defendia que os banidos por motivos políticos que retornassem ao país poderiam ter suas penas diminuídas contando o tempo que tivessem passado no exterior.

Em sua crônica, Bernardo discorre sobre sua forte amizade e o compadrio com La Rocque, citando, inclusive, que o ajudou na sua eleição ao Senado, quando concorreu com Neiva Moreira. O escritor diz que aproveitou o fato de ser diretor da Rádio Difusora, para utilizar o sistema em benefício da campanha do compadre, levando Neiva Moreira a reclamar junto a Magno Bacelar a respeito da manobra política.

Bernardo o enche de elogios, discorre sobre suas qualidades como homem público, relatando inclusive que a antológica música romântica “A noite do meu bem”, teria sido composta pela cantora Dolores Durans em homenagem ao político maranhense.

Confesso que estive nervoso nesse encontro. Mas ele me deixou à vontade na conversa, em meio aos momentos em que lhe mostrava as instalações e o maquinário do jornal. Me disse que além de advogado, era jornalista e que tinha atuado, na juventude, em cobertura diária junto o Supremo Tribunal Federal (STF). Quem o acompanhava era o então vereador Justino, de Imperatriz.

Em dado momento, ele me convida para a posse dele no TCU.

-Gostaria que você participasse da cobertura de minha posse no TCU. Lhe mando as passagens de ida e volta e reservo o hotel. Para você e o fotógrafo-, que era o saudoso Silvan Alves.

Não pudemos ir, por questão de logística. O jornal estava em sua fase inicial e não havia a possibilidade de eu e o único fotógrafo passarmos dois dias fora da cidade. Mas o Sistema Difusora mandou uma equipe de São Luís e estampamos em manchete a posse dele.

Foi uma conversa extremamente enriquecedora, em que ele me revelou alguns episódios da vida dele como político, falou sobre sua família, de origem portuguesa e me disse que eu poderia lhe visitar em seu gabinete a qualquer momento quando fosse a Brasília.

Fiquei lisonjeado com a postura de Henrique de La Rocque, cuja memória o Maranhão consegue preservar, sendo ele nome de município, praças, avenidas, escolas, públicas e privadas e de um dos palácios do Governo. Sua atitude para comigo, um simples jornalista em início de carreira, foi como inspiração e me transformou em seu admirador.

La Rocque começou sua trajetória na política como suplente de deputado federal pelo Distrito Federal em 1954 pelo (PSP), Partido Social Progressista. Em outubro de 1958, enfim elegeu-se no cargo, dessa vez concorrendo pelo Maranhão. Conseguiu a reeleição em 1962.

Reelegeu-se deputado federal em 1966, ficando no cargo até 1974, quando se elegeu senador da República pelo Maranhão de, ficando no cargo de 1975 a 1982

Com o encerramento do bipartidarismo no Brasil, juntou-se ao Partido Democrático Social (PDS) em maio de 1980. No mesmo ano, passou a exercer também o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), nomeado pelo então presidente João Figueiredo. Ele nasceu em São Luís, em 8 de agosto de 1912 e faleceu no Rio de Janeiro, em 16 de agosto 1982.

O título de “melhor homem do mundo”, não foi conferido a La Rocque pelo seu amigo e compadre Bernardo Almeida, e sim pela poderosa Leal Leal, cujo nome verdadeiro era Leoncie Léa Correia Leal, mas que sempre foi tratada por Leinha. Uma das primeiras assistentes sociais do pais, ela era braço direito e protegida de dona Darcy Vargas, mulher do presidente Getúlio Vargas e presidente da LBA.

Conhecedora dos bastidores de Brasília desde sua inauguração, Leal Leal, destacou ser Henrique de La Rocque o melhor homem do mundo, numa conversa com outro expoente da política nordestina, o então senador piauiense Petrônio Portela, como revela Bernardo em sua crônica.

Foi apenas um encontro, em que ficou a boa impressão e grande admiração.

Fonte: https://www.djalmarodrigues.com.br/2023/12/03/henrique-de-la-rocque-apenas-um-encontro-e-a-admiracao/

São Luís confirma expectativas de desenvolvimento até 2025, segundo estudos iniciais da McKinsey Global

Em fevereiro de 2020, o blog “O Historiador” repercutiu um estudo da McKinsey Global, que indicava São Luís como uma das 19 cidades brasileiras, entre 600 no mundo, com maior potencial de desenvolvimento até 2025. Agora, após os desafios causados pela pandemia de Covid-19, o progresso da capital maranhense está sendo revisitado, evidenciando que as previsões de crescimento na área científica e tecnológica se concretizaram.

O estudo de 2011 já vislumbrava avanços em ciência e robótica, com destaque para a Universidade Virtual do Maranhão, hoje conhecida como IEMA, e as primeiras cirurgias para o tratamento da Doença de Parkinson realizadas no Hospital Carlos Macieira em 2010. Atualmente, o uso de canabidiol para o tratamento de doenças neurológicas, uma inovação amplamente apoiada por instituições como a UEMA, a Defensoria Pública do Estado, e o Instituto Tricomas, ganhou grande visibilidade. Em dezembro de 2023, a lei estadual 12.183/2023 regulamentou o uso de medicamentos à base de cannabis, solidificando o papel de São Luís na medicina avançada. Desde 2017, a Casa de Apoio Ninar, uma instituição pública do Estado, tem utilizado canabidiol com sucesso no tratamento de condições como microcefalia, autismo e epilepsia.

Além dos avanços médicos, um estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia (IBE) colocou São Luís em 17º lugar entre as cidades brasileiras mais desenvolvidas, confirmando as previsões de crescimento econômico feitas há mais de uma década.

Com esses resultados, fica claro que São Luís se mantém firme no caminho do desenvolvimento, particularmente nas áreas de saúde e tecnologia, consolidando sua posição como uma das cidades mais promissoras do Brasil.

FERREIRA GULLAR: Presença de Clarice

Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é só neles que é possível reencontrá-la

 

MEU PRIMEIRO encontro com Clarice Lispector foi numa tarde de domingo na casa da escultora Zélia Salgado, em Ipanema, creio que em 1956. Eu havia lido, quando ainda vivia em São Luís, o seu romance “O Lustre”, que me deixara impressionado pela atmosfera estranha e envolvente, mas a impressão que me causou sua figura de mulher foi outra: achei-a linda e perturbadora. Nos dias que se seguiram, não conseguia esquecer seus olhos oblíquos, seu rosto de loba com pômulos salientes.

Voltei a encontrá-la, pouco tempo depois, no “Jornal do Brasil”, durante uma visita que fez à redação do “Suplemento Dominical”. Conversamos e rimos, mas não voltamos a nos ver num espaço de uns dez anos. De fato, só voltei a encontrá-la logo após voltar do exílio, em 1977. Ela ligou para minha casa: queria entrevistar-me para a revista “Fatos e Fotos”, para a qual colaborava naquela época.

Clarice já era então uma mulher de quase 60 anos, marcada por acidente que resultara em sérias queimaduras que lhe deixaram marcas na mão direita. Já quase nada tinha da jovialidade de antes, embora continuasse perturbadora em sua natural dramaticidade. Depois de ouvir dela algumas palavras carinhosas, decidi revelar-lhe como me fascinara em nosso primeiro encontro.

-Você era linda, tão linda que saí dali apaixonado.

-Quer dizer que eu “era” linda?

-E ainda é, apressei-me em afirmar..

Terminada a entrevista, despedimo-nos carinhosamente, mas no dia seguinte ela ligou de novo. Queria encontrar-me para conversar. Fui até sua casa, no Leme, e de lá fomos caminhamos até a Fiorentina, que ficava perto.

Lembro-me que Glauber Rocha, vendo-nos ali, veio sentar-se em nossa mesa e começou a elogiar o governo militar. Clarice me olhava para com espanto, sem entender. Ele, depois daquele discurso fora de propósito, mudou de mesa.

-Ele veio provocar você, disse Clarice. Com que intenção falou essas coisas?

-Glauber agora cismou de defender os milicos. É piração.

Depois dessa noite, voltei a vê-la num encontro que ela promoveu em sua casa com alguns amigos, entre os quais Fauzi Arap, José Rubem…

Foi a última vez que a vi. A roda-viva daqueles tempo me arrastou para longe dela, em meio a problemas de toda ordem, crises na família, filhos drogados, clínicas psiquiátricas. De repente, soube que ela havia sido internada num hospital em estado grave. Localizei o hospital, telefonei para o seu quarto e acertei com a pessoa que me atendeu ir visitá-la no dia seguinte. Mas, ao chegar à redação do jornal, antes de sair para a visita, a telefonista me passou um recado: “Clarice pede ao senhor que não vá vê-la no hospital. Deixe para visitá-la quando ela voltar para casa”. E se ela não voltasse mais para casa? Dobrei o papel com o recado e guardei-o no bolso, desapontado.

Àquela noite, quando contei o ocorrido a minha mulher, ela explicou: “Clarice, vaidosa como era, não queria que você a visse no estado em que estava”. Pode ser, mas, de qualquer forma, até hoje lamento não ter podido vê-la uma última vez.

Dois ou três dias depois do recado, ela morria. Ao sair do banho, pela manhã, alguém me informou: “Clarice Lispector morreu”. De viagem marcada para São Paulo, entrei num táxi que me levou pela lagoa Rodrigo de Freitas. Não poderia ir a seu sepultamento. O táxi corria dentro de uma manhã luminosa, enquanto a brisa balançava alegremente os ramos das árvores. Clarice morrera e a natureza o ignorava. No avião, escrevi um poema falando nisso. Que mais poderia fazer?

Alguns meses atrás, quando aceitei fazer a curadoria da exposição sobre ela, no Museu da Língua Portuguesa, todas essas lembranças me acudiram. Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é neles e só neles que é possível reencontrá-la agora e nunca naquele saárico túmulo do Cemitério Israelita do Caju, aonde certo dia, sob sol escaldante, fui, com Cláudia Ahimsa, visitá-la. Não havia Clarice nenhuma sob aquela laje de pedra, sem flores. E não havia porque, de fato, o que Clarice efetivamente foi, o que fazia dela uma pessoa única e exasperada, era sua patética entrega ao insondável da existência -e a necessidade de escrever, de tentar incansavelmente dizer o indizível, mas certa de que, ao torná-lo dizível, o dissiparia.

Não obstante, isso era tudo o que valia a pena fazer na vida, conforme afirmou: “Quando não escrevo, estou morta”.

Em compensação, quando a lemos, ressuscita.

O UIVO DO BERRANTE

Lembranças da infância em Lago dos Rodrigues, viagem a Dom Pedro, Marianópolis, volta de Dom Pedro, a infância/adolescência em Lago da Pedra.

Lago dos Rodrigues, distrito de Ipixuna, distante de aproximadamente 90 quilômetros do município sede, este hoje rebatizado de São Luís Gonzaga, bem próximo da longínqua Bacabal. Colônia de exploradores da cana de açúcar para fabrico de cachaça, rapadura, mel e outros subprodutos como bagaço para alimentos de animais. Quase todos oriundos do estado do Ceará, notadamente da região da serra da Ibiapaba, daí o costume da fabricação de produtos da cana de açúcar, manufaturados em engenhos guiados por animais, jumentos, que ao mesmo tempo que produziam produtos para comercialização, extraíam seus próprios alimentos de subsistência, bagaços de cana.

Diante dos costumes de produção tradicional, torna-se um tanto esquisito o trabalhador e os animais se auto-sustentarem, extraindo do próprio trabalho seu meio de sobrevivência. Tivemos que nos afastar dessa bela terra aonde nasci, e saímos de Lago dos Rodrigues quando eu tinha apenas seis anos de idade. Daquela tenra idade lembro bem da quitanda do papai, onde repercutiam os acontecimentos da parte baixa do pequeno povoado, chamada de rua Nova.

Do dia da morte do presidente Getúlio Vargas ao convívio com um índio na margem da lagoa da Tomásia, à intrigante imagem de São Francisco desenhada pelo pintor Francisco Bezerra, a rua da Ciência, e o cidadão conhecido como seu Ricardo, etc. Tinha pouco mais de dois anos e três meses de idade, quando, em torno das 17:00h do dia 24/08/1954, fui surpreendido com um cidadão, que montado num alazão saltou já adentrando a mercearia do meu pai Edson de Araújo Prado, aos gritos: “Seu Edson, o presidente morreu.” Era o presidente Getúlio Vargas que acabara de suicidar-se.

Tudo irradiava na quitanda do seu Edson, homem muito inteligente, cujos conhecimentos a tudo sabia detalhar. Convivi naquela época com um amigo confidente, o índio que eu chamava de Manoel, que sempre me esperava na outra margem da lagoa da Tomásia para conversas que só minha mente criativa sabia existir.

O São Francisco desenhado pelo pintor Francisco Bezerra tinha o estranho costume de seguir com os olhos a passagem das pessoas, de um horizonte a outro, como se vivo fosse, provocando às vezes agressões à imagem a tiros, sempre por elementos embriagados que anoiteciam nos poucos bares da localidade. A grande obra do Chico Bezerra só comparável em originalidade à imagem do São Francisco localizada na cidade de Assis, Itália, terra natal do santo.

Logo depois da rua Nova, seguia uma artéria que era apelidada de rua da merda, porque naquela localidade acumulavam muitos dejetos de animais. Meu pai, Edson Prado, muito respeitosamente, alcunhava aquela localidade de rua da Ciência, o que fazia com que os moradores daquela rua dessem preferência à mercearia do seu Edson, em respeito à consideração no tratamento respeitoso “irônico” dado àquele lugar.

Outro personagem de muitas considerações e respeitabilidade era conhecido como seu Ricardo. Tinha quase dois metros de altura, de cor preta, descendente de escravos, com muito desenvolvimento intelectual e o peculiar conhecimento do idioma francês. Era comum o seu Ricardo passar horas na mercearia do sr. Edson, conversando francês com este, que também detinha bastante conhecimento dessa língua estrangeira.

Transcorria o ano de 1958, quando fizemos uma viagem a Dom Pedro com o objetivo de papai gerenciar os negócios do comerciante Mina Jadão, que pretendia enfrentar o embate eleitoral como candidato a prefeito da cidade e queria separar a administração dos seus negócios privados das obrigações da campanha eleitoral. Saímos numa madrugada conduzidos por alguns animais no sentido de Pedreiras, sem previsão de chegada, como era costume naquela época.

Ao chegar em Igarapé Grande, Antônio Urbano, o condutor da tropa de animais, para diminuir o trajeto, desviou à direita, seguindo à distância a margem esquerda do rio Mearim. Num final de tarde, já enxergando a escuridão da noite, surge no horizonte um povoado onde uma ponte sobre o rio Mearim nos levaria ao destino final. Já noite escura, tomamos conhecimento de que a ponte móvel, feita de grandes tambores vazios flutuantes, já estava recolhida para ser esticada no dia seguinte.

Qual foi nossa surpresa ao procurar um lugar para se arranchar e descobrir que o local tratava-se de um povoado de nome Marianópolis, ocupado em sua totalidade por pessoas de cor preta, provavelmente oriundas ou descendentes do continente africano. Eu, criança, me enturmei rapidinho e brinquei até ficar exausto com os novos amigos.

Na manhã seguinte, logo cedo, atravessamos o Mearim e prosseguimos no sentido Dom Pedro. Aquele episódio de Marianópolis continua cristalino na minha mente mesmo 66 anos depois, o que me anima a voltar e pesquisar profundamente a vida daquela comunidade.

Meus pensamentos ricos em casos da minha infância vivida em Lago dos Rodrigues, acrescentava essa extraordinária descoberta. Prosseguimos viagem e, em uma determinada madrugada, durante uma parada para descanso, assisti a uma discussão entre meu irmão Antônio Carlos e o chefe da delegação Antônio Urbano. Intrigado com aquele desentendimento, só após alguns dias soube que se tratava de uma desobediência do meu irmão em ajudar o Sr. Antônio a apreender diversas cobras cascavéis, com a finalidade de extrair-lhes os chocalhos para posterior comercialização.

Para minha grande surpresa, descobri que naquela época já existia exploração de veneno de cobra para fins científicos e comerciais, cujos laboratórios adquiriam aquelas matérias-primas para fabricação de medicamentos. Meu irmão Antônio Carlos preferiu se proteger no lombo de um animal, a correr o risco de uma picada de cascavel lhe tirar a vida. Estávamos adentrando o sertão e senti durante muito tempo uma estranha sensação sobrenatural, só vindo a saber muitos anos depois das atrocidades cometidas naquela região pelo homem alguns anos antes, mais precisamente no início da década de 50, do século 20, retratadas no filme…

Um pouco antes de Dom Pedro, me surpreendi com uma linha de fios sobre postes, causando-me uma estranha sensação da presença humana nas proximidades. Posteriormente, tomei conhecimento de que eram as linhas de transmissão dos Correios e que realmente estávamos próximos do nosso destino final, a cidade de Dom Pedro-MA. Passamos aproximadamente três meses em Dom Pedro e, diante dos resultados das eleições adversos ao Sr. Minas Jadão, retornamos a Lago dos Rodrigues, desta vez já sobre confortáveis carrocerias de caminhões.

Não chegamos sequer a demorar muitos dias em Lago dos Rodrigues, quando reiniciamos nova jornada com destino a Lago da Pedra, a quatro léguas de distância, onde seria a residência definitiva da nossa família e transcorreria o prosseguimento do enredo da nossa história. O Sr. Antônio Urbano, excêntrico e com faro para negócios, só voltou a Lago dos Rodrigues após nosso retorno, depois de aproximadamente quatro meses. Tinha aproveitado o frete Lago dos Rodrigues x Dom Pedro, para esticar mais um pouco até Serra Negra e voltar carregado de pedra de amolar, produto muito utilizado na nossa região para afiar ferramentas de trabalho, notadamente foices, facões, enxadas, etc.

Esquisito é que, de Dom Pedro a Serra Negra, no município de Colinas, a distância era de aproximadamente 200 km, o que perfazia uma esticada de 400 km para nosso fraterno amigo Antônio Urbano. Ao chegar em Lago da Pedra, novas amizades, novas brincadeiras, esportes, principalmente futebol, e uma visão excelente do grupo escolar São José, onde encontraríamos uma extraordinária equipe de mestres para sacudir a nossa infância, nosso aprendizado escolar e os costumes de vida, que ainda hoje nos fazem relembrar com uma deliciosa saudade aqueles tempos.

Edson de Araújo Prado, meu pai, que até então fazia-se acompanhar da minha mãe, Rosa Cortez Prado, sentiu ares novos para realizar seus objetivos de vida com aquela que, desde a adolescência, convivia numa saudável relação conjugal, estando ali presentes os 10 (dez) filhos, produtos daquela união que já durava mais de vinte anos felizes. O casal ainda teve outro filho, Francisco, 5 (cinco) anos antes do falecimento prematuro da minha mãe, aos 50 anos de idade.

Papai se integrou rapidamente àquela cidade em função da sua atividade de gerente da Casa Lima, loja varejista de tecidos de propriedade do Sr. Clodomir Bandeira Lima, enquanto mamãe, Rosa Cortez Prado, se encarregava de orientar na criação dos filhos, além de trabalhar como costureira e professora da arte de corte e costura. Além das moradoras de Lago da Pedra, foram inúmeras as alunas que se deslocavam de outras localidades para aprender a arte da moda, como se diria atualmente, tornando-se ESTILISTAS.

A rotina da nossa família começava a se sedimentar naquela nova localidade para se tornar nossa definitiva moradia. Papai, mesmo com apenas formação primária realizada em Caxias-MA, sua terra natal, provinha de imenso conhecimento autodidata nas diversas áreas do saber. Ali, naquela promissora comunidade, encontraram-se paulatinamente e por acaso inúmeras famílias portadoras de muitos conhecimentos e bastante experiência de vida, ao que parece, destinadas a desenvolverem juntas aquele pedaço de chão.

Professoras normalistas chegaram também com o mesmo objetivo, não se sabendo ao certo o que atraiu o conhecimento científico para aquelas paragens. Ninguém adquiriu conhecimentos nas décadas de 1950 a 1970 na região de Lago da Pedra, sem ter tido os ensinamentos das professoras: Conceição, Nasaré, Esterlânia, Adásia, Lenir Barros, etc. Famílias inteiras se dedicavam ao trabalho, algumas na exploração das artes de pedreiros, carpinteiros, pintores, barbeiros, sapateiros, carregadores, tropeiros e não se descuidavam de, paralelamente aos trabalhos, matricular os filhos na Escola São José, para que no futuro dali saísse um doutor preparado para prosseguir com a sequência natural do desenvolvimento.

Esse trabalho se destina a construir a história da nossa cidade, extraída das lembranças de seus antigos moradores que contribuíram com suas privilegiadas memórias. Conquanto traçamos um novo horizonte, deixamos com certa melancolia os lugares por onde passamos, sem esquecer contudo de trazê-los em nossa mente para nossos trabalhos futuros.

Nessas memórias constam as informações, conversas, entrevistas com os interlocutores, até se assegurar que todos os fatos sejam aqui relatados para formar um conjunto harmonioso do nosso passado.

 

Há 16 anos, morreu Escrete, o poeta que cantou a sereia do Maranhão

Há exatos 16 anos, o cantor e compositor José Henrique Pinheiro Silva, o Escrete, faleceu em São Luís, aos 54 anos, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral. Ele não resistiu a complicações decorrentes de um acidente vascular cerebral, agravado por insuficiência renal, diabetes, cirrose e úlcera elevada.

A morte do artista causou enorme consternação em São Luís, e mobilizou dezenas de pessoas que foram homenageá-lo no Memorial Maria Aragão, onde o corpo foi velado. O falecimento de Escrete, que aconteceu na manhã do dia 25 de janeiro de 2007, representou uma grande perda para a cultura popular do Maranhão.

Ao som de um surdo da Favela do Samba e dos atabaques e agogôs do Bloco Afro Akomabu, o cantor e compositor foi sepultado, no final da manhã de 26 de janeiro de 2007, no Cemitério do Gavião. Uma verdadeira multidão acompanhou a pé o cortejo fúnebre, que saiu da Praça Maria Aragão, com o caixão bem à frente colocado sobre um carro do Corpo de Bombeiros.

Familiares, amigos, artistas, intelectuais, sambistas, mães-de-santo, brincantes e dirigentes de grupos da cultura popular e militantes de entidades do Movimento Negro foram dar o último adeus ao famoso compositor maranhense, numa cerimônia carregada de emoção.

Ao longo do percurso da Avenida Beira-Mar até o Cemitério do Gavião, vários intérpretes, entre eles Tadeu de Obatalá, Paulinho Akomabu, Professor Carlão, Luís Carlos Guerreiro e Gisele Padilha, revezaram-se sobre um carro de som, cantando as canções de Escrete, sambas da Favela e músicas do Akomabu.

Sob aplausos, o corpo de Escrete foi sepultado no momento em que muitas pessoas rezavam e integrantes do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN-MA), da Favela do Samba, do Boi Pirilampo e do Bloco Akomabu, cantando e dançando, também gritavam “Viva Escrete, Viva!”, com uma expressão de dor e sofrimento estampada em seus rostos.

Escrete iniciou sua vida musical no Bairro da Liberdade, onde compôs sua primeira música, no ano de 1979, motivado na luta dos palafitados. A música “Palafita” foi cantada pelo grupo “Rabo de Vaca”. Depois disso compôs para as escolas de samba Unidos da Camboa o enredo “Encantos do mar” e para a Favela do Samba “Sonho infantil”.

Autor de dezenas de sambas-enredos e durante muitos anos compositor da Favela do Samba, Escrete ganhou fama ao fazer um dos primeiros registros da música afromaranhense, com o LP “Malungos”, cujas músicas foram levadas às ruas de São Luís pelo Bloco Afro Akomabu. Depois disso, Escrete gravou a música “Gaiola não é prisão para negro”, em parceria com Joãozinho Ribeiro, e compôs “Sereia”, juntamente com Carlos Gomes e Nicéias Dumont, que se transformou num hino do carnaval maranhense.

Além de ser um dos grandes vencedores de sambas de enredo, Escrete ganhou destaque com o Show Bumba Maranhão, fez parte do Show Canto Afro, gravou seu CD solo intitulado “Lua de Luanda”, participou dos CDs “Pérolas Negras” e “Canto Afro”, em parceria com Paulinho Akomabu e Tadeu de Obatalá, e chegou a lançar uma coletânea com músicas de bumba-meu-boi.

Dando sinais de que já estava com sua saúde muito debilitada, Escrete acabou ganhando uma grande homenagem, no primeiro sábado do ano de 2007 (era o dia 6 de janeiro), com o show “Viva Escrete”, que reuniu um grande número de artistas na sede do Centro de Cultura Negra do Maranhão, na Rua do Barés, no João Paulo.

A festa cultural contou com a presença dos cantores Tadeu de Obatalá, Cláudio Pinheiro, Josias Sobrinho, Teresa Canto, Sami do Cavaco, Walbinho Vamu di Samba, Ribão D’Oludô, Daffé e Joãozinho Ribeiro (atual secretário de Estado da Cultura) e a banda de reggae Guetos. Os cantores maranhenses Cláudio Pinheiro, Zé Carlos Daffé e Rosa Reis, além de Neguinho da Beija-Flor e Ovelha são apenas alguns dos nomes que gravaram músicas de Escrete.

Nascido em São Luís, no dia 15 de março de 1952, Escrete, com tino e talento extraordinários, teve várias participações especiais em shows de cantores maranhenses e teve suas músicas gravadas por vários deles. Escrete foi parceiro de Joãozinho Ribeiro, Paulinho Akomabu, Tadeu de Obatalá, Josias Sobrinho, José Raimundo Gonçalves e Niceas Drumont e outros compositores.

Suas músicas foram gravadas por outros músicos maranhenses e por músicos de outros estados: Cláudio Pinheiro, Rosa Reis, Neguinho da Beija-Flor, Ovelha, Lourival Tavares. Participou do Festival Internacional de Música de São Luís, no show Asa do Vento, onde apresentou músicas do CD Lua de Luanda, e realizava anualmente os shows Canto Afro e Bumba Maranhão.

Dona Noca

Por: Rachel de Queiroz
Em: 17 de junho de 1950

Quem me apresentou a dona Noca foi dona Inês Corrêa de Araújo, pernambucana de velha estirpe, mulher de cultura que — coisa rara — tem sabido dar oportunidade a essa cultura; <em>career-woman</em> de vontade férrea e tremenda capacidade de trabalho, muito bem disfarçadas, entretanto, sob o seu agradabilíssimo exterior de grande dama. Pois foi dona Inês que me apresentou à maranhense dona Noca, — aliás dona Joana Rocha dos Santos — que é prefeita municipal da cidade de São João dos Patos, no seu Estado, desde o ano de 1934.

O encontro se deu numa confeitaria; e senti que o pouco tempo, naquela tarde apressada, não nos permitisse uma conversa mais longa e mais íntima. Porque a verdade é que dona Noca me fascinou, como antes já havia fascinado a minha amiga pernambucana.

É mulher que já deixou de ser jovem, que se veste e se porta como uma matrona discreta. E sabendo-a solteira, a gente logo se lembra dessas priorezas de convento — a autoridade escondida em brandura, sem precisar jamais de levantar o timbre da voz branda, chegando a provocar em quem não a conhece direito a impressão de que até é tímida. Tem a fala suave, a expressão preciosa, como frequentemente acontece com a gente do Maranhão, que fala como se escrevesse — e escrevesse bem. Não sofre daquele desalinho de linguagem a que estamos acostumados no Nordeste, o que admira, pois São João dos Patos já é quase Nordeste, é cidade fronteiriça, a apenas 30 quilômetros do rio Parnaíba.

Aos poucos é que se vai descobrindo nela a mulher excepcional, o temperamento singular que a distingue no seu meio, — e aliás em qualquer meio. Vez por outra, dentro daquela brandura, aponta uma palavra ou uma história que trai a consciência que tem dona Noca da sua força e o quanto ela sabe usar dessa força.

E enquanto ela fala, e responde às nossas perguntas, a gente fica pensando em quem é — se é uma rainha ou uma princesa — cuja lembrança dona Noca nos sugere. De repente sei quem é: é a maharani de um principado hindu que vi representada no cinema pela falecida e admirável Maria Ouspenskaia. A altivez encoberta pela doçura firme. A consciência da sua hierarquia. A coragem pessoal. Até as preciosas joias antigas que dona Noca traz nos dedos e no colo, e o pente de ouro, — sim, de ouro puro — que lhe segura na cabeça o coque discreto, fazem parte da sua pessoa, tal como o grande brilhante da testa fazia parte da pessoa da maharani.

Contou-nos parte da sua vida; desde menina vem aprendendo a mandar, a tomar decisões e a fazer escolhas. O pai negociante forte no Maranhão, era daqueles provincianos de ideias largas que não se intimidam com o meio estreito onde vivem; este acreditava em liberdade feminina, em igualdade entre os sexos e criou a filha de acordo com o que pensava. Menina de dezesseis anos, trazia-a aqui, para o Rio, apresentava-a aos seus fornecedores atacadistas e entregava à filha as encomendas e as transações com bancos e armazéns. Ensinou-a a tratar com gente importante, a defender direitos dos pobres, a se interessar pela coisa pública. Morreu o velho, já agora chefe político no sertão, e dona Noca, naturalmente, ficou no lugar dele. Um belo dia, lá por 1934, foi reclamar junto ao governo contra certa situação política impossível criada pelo potentado local, em São João dos Patos. O interventor ouviu-a, sindicou, descobriu que a moça tinha razão e fez uma coisa estranha que surpreendeu a todos, e mormente a dona Noca: nomeou-a prefeita de São João dos Patos, para que ela própria pusesse cobro aos abusos. Pois dona Noca consertou o errado. E fez o que não se fazia, abriu estradas, limpou a cidade, fomentou a instrução, melhorou as ruas, ergueu prédios. Tão forte é o seu prestígio naquela terra, que de 1934 para cá podem mudar as situações políticas do país e do Estado, mas dona Noca não muda. Continua na chefia do município inalteravelmente.

Contou-me ela que quando acha que vai debilitando a sua energia, deixando que a natureza fraca de mulher a domine mais do que o permitido, faz qualquer coisa que os outros acham maluca — manda selar o cavalo, parte sozinha, apenas com um pajem, em viagens de muitas léguas, noite a dentro, cortando o sertão bravo. Talvez um inimigo — (quem não os tem, e por que não os teria essa mulher forte?) talvez um inimigo lhe prepare um tiro à tocaia. Talvez uma onça lhe mate o cavalo e a ataque a ela própria. Talvez se perca, na escuridão. Pois é disso que ela sente que precisa, para endurecer outra vez. Regressa da cavalgata retemperada, com energia nova. E paga com redobrado carinho a São João dos Patos o que a sua cidade lhe dá em prestígio e gratidão.

Eu tinha um cachorro preto

Eu tinha um cachorro preto (Had a Black Dog) foi o primeiro livro de Matthew Johnstone, publicado na Austrália em 2005. A ideia do livro foi esboçada logo após o trágico evento do 11 de setembro, enquanto vivia em Nova York.

Escrito e ilustrado por Matthew Johnstone

Ao despertar no dia 12 de setembro, percebeu que a vida era curta demais e que não estava vivendo da melhor forma devido a um companheiro indesejável e significativo bem ao seu lado. A depressão tinha entrado e saído da sua vida no o final dos anos 20, quando passou a inventar enormes quantidades de energia para encobri-la.

Mesmo com as pessoas advertindo para que não escrevesse o livro pelo risco de perder seu trabalho e até mesmo amigos, Matthew Johnstone o fez. O autor considera que esta foi uma das melhores coisas que já fez pela sua vida e pela dos outros. Não apenas se libertou, mas permitiu viver uma vida de forma autentica. Considera que a ajudar aos outros ainda é a melhor maneira de se ajudar.

Este vídeo foi criado e publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para ajudar pessoas que sofrem ou conhecem alguém próximo que sofre do “mal do século 21”, a chamada depressão. Atualmente, a depressão afeta mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo. Projeções da OMS estimam que no ano de 2030, entre todas as doenças, a depressão será a mais comum.