O UIVO DO BERRANTE

Lembranças da infância em Lago dos Rodrigues, viagem a Dom Pedro, Marianópolis, volta de Dom Pedro, a infância/adolescência em Lago da Pedra.

Lago dos Rodrigues, distrito de Ipixuna, distante de aproximadamente 90 quilômetros do município sede, este hoje rebatizado de São Luís Gonzaga, bem próximo da longínqua Bacabal. Colônia de exploradores da cana de açúcar para fabrico de cachaça, rapadura, mel e outros subprodutos como bagaço para alimentos de animais. Quase todos oriundos do estado do Ceará, notadamente da região da serra da Ibiapaba, daí o costume da fabricação de produtos da cana de açúcar, manufaturados em engenhos guiados por animais, jumentos, que ao mesmo tempo que produziam produtos para comercialização, extraíam seus próprios alimentos de subsistência, bagaços de cana.

Diante dos costumes de produção tradicional, torna-se um tanto esquisito o trabalhador e os animais se auto-sustentarem, extraindo do próprio trabalho seu meio de sobrevivência. Tivemos que nos afastar dessa bela terra aonde nasci, e saímos de Lago dos Rodrigues quando eu tinha apenas seis anos de idade. Daquela tenra idade lembro bem da quitanda do papai, onde repercutiam os acontecimentos da parte baixa do pequeno povoado, chamada de rua Nova.

Do dia da morte do presidente Getúlio Vargas ao convívio com um índio na margem da lagoa da Tomásia, à intrigante imagem de São Francisco desenhada pelo pintor Francisco Bezerra, a rua da Ciência, e o cidadão conhecido como seu Ricardo, etc. Tinha pouco mais de dois anos e três meses de idade, quando, em torno das 17:00h do dia 24/08/1954, fui surpreendido com um cidadão, que montado num alazão saltou já adentrando a mercearia do meu pai Edson de Araújo Prado, aos gritos: “Seu Edson, o presidente morreu.” Era o presidente Getúlio Vargas que acabara de suicidar-se.

Tudo irradiava na quitanda do seu Edson, homem muito inteligente, cujos conhecimentos a tudo sabia detalhar. Convivi naquela época com um amigo confidente, o índio que eu chamava de Manoel, que sempre me esperava na outra margem da lagoa da Tomásia para conversas que só minha mente criativa sabia existir.

O São Francisco desenhado pelo pintor Francisco Bezerra tinha o estranho costume de seguir com os olhos a passagem das pessoas, de um horizonte a outro, como se vivo fosse, provocando às vezes agressões à imagem a tiros, sempre por elementos embriagados que anoiteciam nos poucos bares da localidade. A grande obra do Chico Bezerra só comparável em originalidade à imagem do São Francisco localizada na cidade de Assis, Itália, terra natal do santo.

Logo depois da rua Nova, seguia uma artéria que era apelidada de rua da merda, porque naquela localidade acumulavam muitos dejetos de animais. Meu pai, Edson Prado, muito respeitosamente, alcunhava aquela localidade de rua da Ciência, o que fazia com que os moradores daquela rua dessem preferência à mercearia do seu Edson, em respeito à consideração no tratamento respeitoso “irônico” dado àquele lugar.

Outro personagem de muitas considerações e respeitabilidade era conhecido como seu Ricardo. Tinha quase dois metros de altura, de cor preta, descendente de escravos, com muito desenvolvimento intelectual e o peculiar conhecimento do idioma francês. Era comum o seu Ricardo passar horas na mercearia do sr. Edson, conversando francês com este, que também detinha bastante conhecimento dessa língua estrangeira.

Transcorria o ano de 1958, quando fizemos uma viagem a Dom Pedro com o objetivo de papai gerenciar os negócios do comerciante Mina Jadão, que pretendia enfrentar o embate eleitoral como candidato a prefeito da cidade e queria separar a administração dos seus negócios privados das obrigações da campanha eleitoral. Saímos numa madrugada conduzidos por alguns animais no sentido de Pedreiras, sem previsão de chegada, como era costume naquela época.

Ao chegar em Igarapé Grande, Antônio Urbano, o condutor da tropa de animais, para diminuir o trajeto, desviou à direita, seguindo à distância a margem esquerda do rio Mearim. Num final de tarde, já enxergando a escuridão da noite, surge no horizonte um povoado onde uma ponte sobre o rio Mearim nos levaria ao destino final. Já noite escura, tomamos conhecimento de que a ponte móvel, feita de grandes tambores vazios flutuantes, já estava recolhida para ser esticada no dia seguinte.

Qual foi nossa surpresa ao procurar um lugar para se arranchar e descobrir que o local tratava-se de um povoado de nome Marianópolis, ocupado em sua totalidade por pessoas de cor preta, provavelmente oriundas ou descendentes do continente africano. Eu, criança, me enturmei rapidinho e brinquei até ficar exausto com os novos amigos.

Na manhã seguinte, logo cedo, atravessamos o Mearim e prosseguimos no sentido Dom Pedro. Aquele episódio de Marianópolis continua cristalino na minha mente mesmo 66 anos depois, o que me anima a voltar e pesquisar profundamente a vida daquela comunidade.

Meus pensamentos ricos em casos da minha infância vivida em Lago dos Rodrigues, acrescentava essa extraordinária descoberta. Prosseguimos viagem e, em uma determinada madrugada, durante uma parada para descanso, assisti a uma discussão entre meu irmão Antônio Carlos e o chefe da delegação Antônio Urbano. Intrigado com aquele desentendimento, só após alguns dias soube que se tratava de uma desobediência do meu irmão em ajudar o Sr. Antônio a apreender diversas cobras cascavéis, com a finalidade de extrair-lhes os chocalhos para posterior comercialização.

Para minha grande surpresa, descobri que naquela época já existia exploração de veneno de cobra para fins científicos e comerciais, cujos laboratórios adquiriam aquelas matérias-primas para fabricação de medicamentos. Meu irmão Antônio Carlos preferiu se proteger no lombo de um animal, a correr o risco de uma picada de cascavel lhe tirar a vida. Estávamos adentrando o sertão e senti durante muito tempo uma estranha sensação sobrenatural, só vindo a saber muitos anos depois das atrocidades cometidas naquela região pelo homem alguns anos antes, mais precisamente no início da década de 50, do século 20, retratadas no filme…

Um pouco antes de Dom Pedro, me surpreendi com uma linha de fios sobre postes, causando-me uma estranha sensação da presença humana nas proximidades. Posteriormente, tomei conhecimento de que eram as linhas de transmissão dos Correios e que realmente estávamos próximos do nosso destino final, a cidade de Dom Pedro-MA. Passamos aproximadamente três meses em Dom Pedro e, diante dos resultados das eleições adversos ao Sr. Minas Jadão, retornamos a Lago dos Rodrigues, desta vez já sobre confortáveis carrocerias de caminhões.

Não chegamos sequer a demorar muitos dias em Lago dos Rodrigues, quando reiniciamos nova jornada com destino a Lago da Pedra, a quatro léguas de distância, onde seria a residência definitiva da nossa família e transcorreria o prosseguimento do enredo da nossa história. O Sr. Antônio Urbano, excêntrico e com faro para negócios, só voltou a Lago dos Rodrigues após nosso retorno, depois de aproximadamente quatro meses. Tinha aproveitado o frete Lago dos Rodrigues x Dom Pedro, para esticar mais um pouco até Serra Negra e voltar carregado de pedra de amolar, produto muito utilizado na nossa região para afiar ferramentas de trabalho, notadamente foices, facões, enxadas, etc.

Esquisito é que, de Dom Pedro a Serra Negra, no município de Colinas, a distância era de aproximadamente 200 km, o que perfazia uma esticada de 400 km para nosso fraterno amigo Antônio Urbano. Ao chegar em Lago da Pedra, novas amizades, novas brincadeiras, esportes, principalmente futebol, e uma visão excelente do grupo escolar São José, onde encontraríamos uma extraordinária equipe de mestres para sacudir a nossa infância, nosso aprendizado escolar e os costumes de vida, que ainda hoje nos fazem relembrar com uma deliciosa saudade aqueles tempos.

Edson de Araújo Prado, meu pai, que até então fazia-se acompanhar da minha mãe, Rosa Cortez Prado, sentiu ares novos para realizar seus objetivos de vida com aquela que, desde a adolescência, convivia numa saudável relação conjugal, estando ali presentes os 10 (dez) filhos, produtos daquela união que já durava mais de vinte anos felizes. O casal ainda teve outro filho, Francisco, 5 (cinco) anos antes do falecimento prematuro da minha mãe, aos 50 anos de idade.

Papai se integrou rapidamente àquela cidade em função da sua atividade de gerente da Casa Lima, loja varejista de tecidos de propriedade do Sr. Clodomir Bandeira Lima, enquanto mamãe, Rosa Cortez Prado, se encarregava de orientar na criação dos filhos, além de trabalhar como costureira e professora da arte de corte e costura. Além das moradoras de Lago da Pedra, foram inúmeras as alunas que se deslocavam de outras localidades para aprender a arte da moda, como se diria atualmente, tornando-se ESTILISTAS.

A rotina da nossa família começava a se sedimentar naquela nova localidade para se tornar nossa definitiva moradia. Papai, mesmo com apenas formação primária realizada em Caxias-MA, sua terra natal, provinha de imenso conhecimento autodidata nas diversas áreas do saber. Ali, naquela promissora comunidade, encontraram-se paulatinamente e por acaso inúmeras famílias portadoras de muitos conhecimentos e bastante experiência de vida, ao que parece, destinadas a desenvolverem juntas aquele pedaço de chão.

Professoras normalistas chegaram também com o mesmo objetivo, não se sabendo ao certo o que atraiu o conhecimento científico para aquelas paragens. Ninguém adquiriu conhecimentos nas décadas de 1950 a 1970 na região de Lago da Pedra, sem ter tido os ensinamentos das professoras: Conceição, Nasaré, Esterlânia, Adásia, Lenir Barros, etc. Famílias inteiras se dedicavam ao trabalho, algumas na exploração das artes de pedreiros, carpinteiros, pintores, barbeiros, sapateiros, carregadores, tropeiros e não se descuidavam de, paralelamente aos trabalhos, matricular os filhos na Escola São José, para que no futuro dali saísse um doutor preparado para prosseguir com a sequência natural do desenvolvimento.

Esse trabalho se destina a construir a história da nossa cidade, extraída das lembranças de seus antigos moradores que contribuíram com suas privilegiadas memórias. Conquanto traçamos um novo horizonte, deixamos com certa melancolia os lugares por onde passamos, sem esquecer contudo de trazê-los em nossa mente para nossos trabalhos futuros.

Nessas memórias constam as informações, conversas, entrevistas com os interlocutores, até se assegurar que todos os fatos sejam aqui relatados para formar um conjunto harmonioso do nosso passado.

 

Há 16 anos, morreu Escrete, o poeta que cantou a sereia do Maranhão

Há exatos 16 anos, o cantor e compositor José Henrique Pinheiro Silva, o Escrete, faleceu em São Luís, aos 54 anos, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral. Ele não resistiu a complicações decorrentes de um acidente vascular cerebral, agravado por insuficiência renal, diabetes, cirrose e úlcera elevada.

A morte do artista causou enorme consternação em São Luís, e mobilizou dezenas de pessoas que foram homenageá-lo no Memorial Maria Aragão, onde o corpo foi velado. O falecimento de Escrete, que aconteceu na manhã do dia 25 de janeiro de 2007, representou uma grande perda para a cultura popular do Maranhão.

Ao som de um surdo da Favela do Samba e dos atabaques e agogôs do Bloco Afro Akomabu, o cantor e compositor foi sepultado, no final da manhã de 26 de janeiro de 2007, no Cemitério do Gavião. Uma verdadeira multidão acompanhou a pé o cortejo fúnebre, que saiu da Praça Maria Aragão, com o caixão bem à frente colocado sobre um carro do Corpo de Bombeiros.

Familiares, amigos, artistas, intelectuais, sambistas, mães-de-santo, brincantes e dirigentes de grupos da cultura popular e militantes de entidades do Movimento Negro foram dar o último adeus ao famoso compositor maranhense, numa cerimônia carregada de emoção.

Ao longo do percurso da Avenida Beira-Mar até o Cemitério do Gavião, vários intérpretes, entre eles Tadeu de Obatalá, Paulinho Akomabu, Professor Carlão, Luís Carlos Guerreiro e Gisele Padilha, revezaram-se sobre um carro de som, cantando as canções de Escrete, sambas da Favela e músicas do Akomabu.

Sob aplausos, o corpo de Escrete foi sepultado no momento em que muitas pessoas rezavam e integrantes do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN-MA), da Favela do Samba, do Boi Pirilampo e do Bloco Akomabu, cantando e dançando, também gritavam “Viva Escrete, Viva!”, com uma expressão de dor e sofrimento estampada em seus rostos.

Escrete iniciou sua vida musical no Bairro da Liberdade, onde compôs sua primeira música, no ano de 1979, motivado na luta dos palafitados. A música “Palafita” foi cantada pelo grupo “Rabo de Vaca”. Depois disso compôs para as escolas de samba Unidos da Camboa o enredo “Encantos do mar” e para a Favela do Samba “Sonho infantil”.

Autor de dezenas de sambas-enredos e durante muitos anos compositor da Favela do Samba, Escrete ganhou fama ao fazer um dos primeiros registros da música afromaranhense, com o LP “Malungos”, cujas músicas foram levadas às ruas de São Luís pelo Bloco Afro Akomabu. Depois disso, Escrete gravou a música “Gaiola não é prisão para negro”, em parceria com Joãozinho Ribeiro, e compôs “Sereia”, juntamente com Carlos Gomes e Nicéias Dumont, que se transformou num hino do carnaval maranhense.

Além de ser um dos grandes vencedores de sambas de enredo, Escrete ganhou destaque com o Show Bumba Maranhão, fez parte do Show Canto Afro, gravou seu CD solo intitulado “Lua de Luanda”, participou dos CDs “Pérolas Negras” e “Canto Afro”, em parceria com Paulinho Akomabu e Tadeu de Obatalá, e chegou a lançar uma coletânea com músicas de bumba-meu-boi.

Dando sinais de que já estava com sua saúde muito debilitada, Escrete acabou ganhando uma grande homenagem, no primeiro sábado do ano de 2007 (era o dia 6 de janeiro), com o show “Viva Escrete”, que reuniu um grande número de artistas na sede do Centro de Cultura Negra do Maranhão, na Rua do Barés, no João Paulo.

A festa cultural contou com a presença dos cantores Tadeu de Obatalá, Cláudio Pinheiro, Josias Sobrinho, Teresa Canto, Sami do Cavaco, Walbinho Vamu di Samba, Ribão D’Oludô, Daffé e Joãozinho Ribeiro (atual secretário de Estado da Cultura) e a banda de reggae Guetos. Os cantores maranhenses Cláudio Pinheiro, Zé Carlos Daffé e Rosa Reis, além de Neguinho da Beija-Flor e Ovelha são apenas alguns dos nomes que gravaram músicas de Escrete.

Nascido em São Luís, no dia 15 de março de 1952, Escrete, com tino e talento extraordinários, teve várias participações especiais em shows de cantores maranhenses e teve suas músicas gravadas por vários deles. Escrete foi parceiro de Joãozinho Ribeiro, Paulinho Akomabu, Tadeu de Obatalá, Josias Sobrinho, José Raimundo Gonçalves e Niceas Drumont e outros compositores.

Suas músicas foram gravadas por outros músicos maranhenses e por músicos de outros estados: Cláudio Pinheiro, Rosa Reis, Neguinho da Beija-Flor, Ovelha, Lourival Tavares. Participou do Festival Internacional de Música de São Luís, no show Asa do Vento, onde apresentou músicas do CD Lua de Luanda, e realizava anualmente os shows Canto Afro e Bumba Maranhão.

Dona Noca

Por: Rachel de Queiroz
Em: 17 de junho de 1950

Quem me apresentou a dona Noca foi dona Inês Corrêa de Araújo, pernambucana de velha estirpe, mulher de cultura que — coisa rara — tem sabido dar oportunidade a essa cultura; <em>career-woman</em> de vontade férrea e tremenda capacidade de trabalho, muito bem disfarçadas, entretanto, sob o seu agradabilíssimo exterior de grande dama. Pois foi dona Inês que me apresentou à maranhense dona Noca, — aliás dona Joana Rocha dos Santos — que é prefeita municipal da cidade de São João dos Patos, no seu Estado, desde o ano de 1934.

O encontro se deu numa confeitaria; e senti que o pouco tempo, naquela tarde apressada, não nos permitisse uma conversa mais longa e mais íntima. Porque a verdade é que dona Noca me fascinou, como antes já havia fascinado a minha amiga pernambucana.

É mulher que já deixou de ser jovem, que se veste e se porta como uma matrona discreta. E sabendo-a solteira, a gente logo se lembra dessas priorezas de convento — a autoridade escondida em brandura, sem precisar jamais de levantar o timbre da voz branda, chegando a provocar em quem não a conhece direito a impressão de que até é tímida. Tem a fala suave, a expressão preciosa, como frequentemente acontece com a gente do Maranhão, que fala como se escrevesse — e escrevesse bem. Não sofre daquele desalinho de linguagem a que estamos acostumados no Nordeste, o que admira, pois São João dos Patos já é quase Nordeste, é cidade fronteiriça, a apenas 30 quilômetros do rio Parnaíba.

Aos poucos é que se vai descobrindo nela a mulher excepcional, o temperamento singular que a distingue no seu meio, — e aliás em qualquer meio. Vez por outra, dentro daquela brandura, aponta uma palavra ou uma história que trai a consciência que tem dona Noca da sua força e o quanto ela sabe usar dessa força.

E enquanto ela fala, e responde às nossas perguntas, a gente fica pensando em quem é — se é uma rainha ou uma princesa — cuja lembrança dona Noca nos sugere. De repente sei quem é: é a maharani de um principado hindu que vi representada no cinema pela falecida e admirável Maria Ouspenskaia. A altivez encoberta pela doçura firme. A consciência da sua hierarquia. A coragem pessoal. Até as preciosas joias antigas que dona Noca traz nos dedos e no colo, e o pente de ouro, — sim, de ouro puro — que lhe segura na cabeça o coque discreto, fazem parte da sua pessoa, tal como o grande brilhante da testa fazia parte da pessoa da maharani.

Contou-nos parte da sua vida; desde menina vem aprendendo a mandar, a tomar decisões e a fazer escolhas. O pai negociante forte no Maranhão, era daqueles provincianos de ideias largas que não se intimidam com o meio estreito onde vivem; este acreditava em liberdade feminina, em igualdade entre os sexos e criou a filha de acordo com o que pensava. Menina de dezesseis anos, trazia-a aqui, para o Rio, apresentava-a aos seus fornecedores atacadistas e entregava à filha as encomendas e as transações com bancos e armazéns. Ensinou-a a tratar com gente importante, a defender direitos dos pobres, a se interessar pela coisa pública. Morreu o velho, já agora chefe político no sertão, e dona Noca, naturalmente, ficou no lugar dele. Um belo dia, lá por 1934, foi reclamar junto ao governo contra certa situação política impossível criada pelo potentado local, em São João dos Patos. O interventor ouviu-a, sindicou, descobriu que a moça tinha razão e fez uma coisa estranha que surpreendeu a todos, e mormente a dona Noca: nomeou-a prefeita de São João dos Patos, para que ela própria pusesse cobro aos abusos. Pois dona Noca consertou o errado. E fez o que não se fazia, abriu estradas, limpou a cidade, fomentou a instrução, melhorou as ruas, ergueu prédios. Tão forte é o seu prestígio naquela terra, que de 1934 para cá podem mudar as situações políticas do país e do Estado, mas dona Noca não muda. Continua na chefia do município inalteravelmente.

Contou-me ela que quando acha que vai debilitando a sua energia, deixando que a natureza fraca de mulher a domine mais do que o permitido, faz qualquer coisa que os outros acham maluca — manda selar o cavalo, parte sozinha, apenas com um pajem, em viagens de muitas léguas, noite a dentro, cortando o sertão bravo. Talvez um inimigo — (quem não os tem, e por que não os teria essa mulher forte?) talvez um inimigo lhe prepare um tiro à tocaia. Talvez uma onça lhe mate o cavalo e a ataque a ela própria. Talvez se perca, na escuridão. Pois é disso que ela sente que precisa, para endurecer outra vez. Regressa da cavalgata retemperada, com energia nova. E paga com redobrado carinho a São João dos Patos o que a sua cidade lhe dá em prestígio e gratidão.

Eu tinha um cachorro preto

Eu tinha um cachorro preto (Had a Black Dog) foi o primeiro livro de Matthew Johnstone, publicado na Austrália em 2005. A ideia do livro foi esboçada logo após o trágico evento do 11 de setembro, enquanto vivia em Nova York.

Escrito e ilustrado por Matthew Johnstone

Ao despertar no dia 12 de setembro, percebeu que a vida era curta demais e que não estava vivendo da melhor forma devido a um companheiro indesejável e significativo bem ao seu lado. A depressão tinha entrado e saído da sua vida no o final dos anos 20, quando passou a inventar enormes quantidades de energia para encobri-la.

Mesmo com as pessoas advertindo para que não escrevesse o livro pelo risco de perder seu trabalho e até mesmo amigos, Matthew Johnstone o fez. O autor considera que esta foi uma das melhores coisas que já fez pela sua vida e pela dos outros. Não apenas se libertou, mas permitiu viver uma vida de forma autentica. Considera que a ajudar aos outros ainda é a melhor maneira de se ajudar.

Este vídeo foi criado e publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para ajudar pessoas que sofrem ou conhecem alguém próximo que sofre do “mal do século 21”, a chamada depressão. Atualmente, a depressão afeta mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo. Projeções da OMS estimam que no ano de 2030, entre todas as doenças, a depressão será a mais comum.

O coronavírus e os grupos de risco

Por: Omar Cortez Prado

Muito se têm falado no novo normal que surgirá na pós pandemia do covid19. Pelo que se tem percebido com a abertura de parte das atividades econômicas, entretanto, não haverá um novo normal tão propalado pelos entendidos, aliás, o que se vê hoje são entendidos para todos os lados, entendidos que nada entendem, mas quando surge a oportunidade de se postar diante das câmaras e com toda a pompa, passam a debulhar pseudos conhecimentos em economia, saúde, educação, costumes, etc.

Uma categoria de pessoas que foi estigmatizada como cobaia do covid19, esta sim terá um novo anormal que não se sabe a quantas vai ser possível sobreviver. Trata se das pessoas da terceira idade, com mais de sessenta anos, que foram logo apartados como grupo de risco, não se sabe ao certo se risco para si ou para os outros. Se tornaram rapidinho em hospedeiros e transmissores preferencial do vírus.

A terceira idade que vislumbrou nos últimos tempos um forte incremento na empregabilidade, como irá sobreviver perante uma sociedade extremamente cética?  Diante da presença de um idoso em qualquer ambiente com a presença, digamos, a partir de 10 pessoas, qualquer pigarro, espirro, tosse, que outrora nada significava para os interlocutores, provavelmente será interpretado agora como presença da peste.

Será que a volta ao trabalho será normal ou crucial para o grupo da terceira idade? Há pouco tempo uma categoria preferencial na hora da contratação, não se vê qualquer manifestação do poder público no sentido de estender sua rede de proteção aos que agora não vislumbram quaisquer boas perspectivas no futuro.

O pilão da madrugada

Dona Noca ainda está a espera do seu biografo. Foi a mulher mais dominadora e decidida que conheci. E como mandava… Quando tinha 15 anos, levou-me do Barão a Patos – viagem de dois dias em lombo de burro, que hoje se faz em duas horas de carro – para que passasse lá a festa do padroeiro. Ela admirava minha mãe e transferira ao filho a amizade que as unia.

Fui num comboio de burros que ela própria comandava. No meio da mata, tarde da noite, soou o alarme de ataque. Noca transfigurou-se. Era a líder desassombrada. Em segundos, estendeu o “perímetro de defesa” e cuidou do estado de cada arma e de todos os atiradores. A mim, meteu num buraco, ultraprotegido. No silêncio da noite ninguém se mexia. Não se ouvia outro ruído que não fosse o dos bichos. Felizmente, o rebate era falso, e chegamos em paz a Patos.

Aliás, nessa viagem no comboio de burros, deparei-me pela primeira vez com a generosidade pura, a solidariedade espontânea e desinteressada. No meio da chapada desabitada, ouvi longinquo batido de um pilão, varando a madrugada. Um tropeiro explicou-me o mistério. Três irmãs velhas, a intervalos curtos, faziam, noite após noite, como se pilassem arroz, para que algum viajante extraviado, ouvindo aqueles toques soubessem que ali havia uma casa, onde poderia orientar-se.

*Extraido do livro de Memórias de Neiva Moreira, em depoimento a José Louzeiro, lançado em 1990

Adeus agenda velha, tchau coronavirus

Por: Valdemir Verde, ex-prefeito de H. Campos, atual vereador, aposentado do BB

Hoje, sábado, dia sagrado para as pessoas repaginarem a vida e cuidarem das coisas caseiras, ou seja arrumar a casa, conforme dito popular. Eu particularmente estou fazendo uma, limpeza no meu modesto escritório, limpando gavetas, rasgando papéis e principalmente dando fim e jogando no lixo minha surrada agenda do ano passado, onde se encontrava registrado um monte de coisas boas e ruins, que fiz questão de não ler na despedida, até para evitar lembranças umas desairosas outras nem tanto, enfim, não queria mergulhar no passado. Velha agenda de velhas recordações, que fazem parte da história de um lutador no seu dia a dia em busca de objetivos nem tanto colimados e nem sempre realizados.

São anotações de detalhes vivenciados no ano passado, alguns muito fortes e inesquecíveis, outros apenas simples apontamentos, para não esquecer, tipo compromissos financeiros, fortemente lembrados e relembrados nas páginas passivas da estimada e ora descartada agenda. Amigos, ex amigos, credores, devedores, cobradores safados, cobradores honestos, dívidas vincendas e vencidas, casamentos, batizados, missas e festas religiosas, compromissos diversos, contidos e ocultados nas páginas da minha saudosa agenda.

Engraçado, que hoje estou de quarentena, com toda a minha família, por conta dum tal coronavírus, logo eu que já sofri na infância, adolescência e até na fase adulta com todo tipo de moléstia, que era rotina no Brasil, como malária, sarampo, catapora, tosse braba, tuberculose, papeira, sífilis e outras danações como dor de dente, lombriga na barriga, frieira, bicho no pé e bolo de palmatória, estou incomodado e inconformado com essa reclusão provocada por uma moléstia que veio da China. Ora esse país asiático ficou zangado quando disseram ser o país originário dessa peste, como se fosse novidade países e continentes exportarem doenças contagiosas.

Essas assertivas foram feitas por três cabras machos e amigos, que afirmam a origem desse mal sem meias palavras, eles são ditos malucos mas honestos e não corruptos chamados de Eduardo Bolsonaro Jair Bolsonaro e Trump. Falam mesmo e não ligam para protestos da China, nem beicinhos dos coitadinhos e coitadinhas petistas, tão suscetíveis quando as pessoas falam a verdade. Estamos todos de quarentena e assustados, pela abundância de informações negativas transmitidas pelos poderosos meios de comunicação de massa, que nos obrigam carregar nas mãos e no corpo, todo tipo de antissépticos, na esperança que acabe logo essa peste chinesa.

Como Deus é brasileiro e o papa argentino, por conta dessa fé inabalável do povo sul-americano, rapidinho vamos sair dessa dificuldade, voltando a assistir e curtir nossos jogos de futebol, shopping centeres, corridas de cavalos e todos os tipos de corridas, festas juninas, carnaval e semana santa, não nos esquecendo das eleições que para o brasileiro é uma grande festa.

A fé é tanta que vi na internet uma velha benzedeira, passando o murrão nas costas e em cruz de um homem sentado e contrito, pronunciando um palavreado obsceno, insultando e expulsando a peste, o que me deixou crente que rapidinho essa praga vai passar. Que saudades da minha velha agenda e também da penicilina que doía muito mas segundo a propaganda curava até defunto, o que na verdade foi uma invenção fantástica para tratar doenças diversas e salvar vidas em todo o mundo. Agora chegou a vez dos grandes laboratórios e famosos cientistas descobrirem rapidinho o remédio, para esse midiático mal que vem da China.